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A Opção pela Creche

O Porquê da Creche

É uma realidade nos dias de hoje: cada vez tem havido mais procura de Creches (0-3 anos) e de Escolas de Educação Infantil (4 - 6 anos) pelas famílias, como opção para os cuidados e educação dos seus filhos enquanto aqueles não podem ficar com eles, e acreditamos que essa tendência será cada vez maior.
Os motivos são diversos. Pode ser pela necessidade cada vez maior de a mulher sair de casa para ir trabalhar (dada a atual conjuntura econômica que estamos vivendo) logo após o término da sua licença de maternidade. E nesse caso a Creche é uma opção para quem não tem uma estrutura familiar que possa compensar a falta da mulher em casa (por exemplo, a presença dos avós).
Pode ser também porque as famílias já não ficam satisfeitas com os cuidados de uma babá, que na maior parte das vezes não tem os conhecimentos adequados para uma boa prestação de cuidados e estimulação da criança, ou ainda procuram prevenir situações de negligência ou maus-tratos por essas mesmas babás, que num ambiente doméstico não têm qualquer controle.
Pode também acontecer que a mulher, apesar de não necessitar financeiramente de contribuir para a renda familiar, deseje mesmo assim ter o seu trabalho, porque estudou e quer seguir a carreira com que sonhou, ou porque não se identifica com um papel social de mulher que vive para as tarefas domésticas e de exclusividade aos cuidados aos filhos e ao marido. Ela quer ter o seu próprio espaço de realização pessoal. Nestes casos, a opção pela Creche é uma escolha sensata, na medida em que nada beneficia a criança ter em casa uma mãe insatisfeita e frustrada, com sentimentos de que vive com um lado seu inexplorado. A criança certamente sentirá essa frustração, que pode se manifestar de formas diversas.
Pode ainda ser aquela mulher que não trabalha fora de casa nem deseja fazê-lo, mas que também não sente uma vocação maternal, o que acontece com muitas mulheres, e que só percebem isso quando estão vivendo a maternidade na realidade, muito diferente daquilo que muitas vezes se idealiza até ao momento do bebê nascer. Também nada tem de bom para a criança ficar 24 horas por dia com uma mãe que não se identifica com o papel de mãe, podendo acabar por negligenciar a criança nos cuidados prestados, ou mesmo maltratar, nem que seja apenas psicologicamente, pela falta de paciência, de manifestações de afeto, amor e carinho ou pela falta de assertividade com as necessidades de seu filho. Ao invés de se censurar esta mãe pouco vocacionada que faz a opção pela Creche, ela deve até ser incentivada, pois a criança ficará melhor se entregue a pessoas que têm maternagem para “dar e vender”, literalmente, para além de terem experiência e formação para cuidar da criança e estimular o seu desenvolvimento psicomotor e afetivo.
Existem também situações em que a família, mesmo podendo manter a criança em casa, considera que não tem condições de espaço e infraestrutura para que a criança possa brincar livremente ou de estimulação social adequada (falta de um espaço de lazer no prédio ou no entorno, falta de outras crianças com que possa brincar e socializar). A opção de colocar a criança na Creche tem então fins de proporcionar um ambiente em que a criança tenha um espaço lúdico, de estímulo pedagógico e social adequado à sua idade.

As dúvidas e os sentimentos de culpa

Independentemente das razões que motivam os pais a colocar uma criança na Creche ou na Educação Infantil, existe sempre um sentimento de culpa, vivido com maior ou menor intensidade por estes pais, em particular pela mãe (a quem se cobra mais socialmente pelos cuidados ao bebê) pelo fato de se tratarem de bebês ou de crianças tão pequenas. O sentimento de culpa pelo “abandono” dos filhos para trabalhar é muito comum na nossa cultura, pois as mães não foram educadas para isso, mesmo aquelas que estudaram para supostamente seguir uma carreira mais tarde. Vários fatores contribuem para que esse sentimento de culpa se apodere dos pais. A defesa que existe atualmente do aleitamento materno até, no mínimo, os 6 meses do bebê. A defesa de manter o bebê em casa junto da mãe o máximo de tempo possível, com o argumento de que não é apenas a amamentação o motivo único que torna essencial essa proximidade, mas todo um processo de vinculação em que a mãe se mantém ligada, afetivamente, ao bebê. Esta proximidade produz o fortalecimento desses laços, fundamental ao desenvolvimento da saúde psicológica da criança. O fato de se saber hoje que o carinho e a atenção do pai e da mãe não são apenas importantes, mas essenciais ao desenvolvimento afetivo-emocional e intelectual do bebê, defendendo-se agora mais presença do pai, também como fundamental à formação integral da personalidade da criança.
Ora, a decisão de colocar a criança na Creche, inevitavelmente, reduz o contato da criança com a mãe e com o pai, o que os deixa preocupados com as possíveis consequências ao nível do seu desenvolvimento psicoafetivo.

Um jeito de tranquilização

Segundo Gilda Rizzo (2015) “Creche existe para exercer, pela família (embora não assumindo o seu lugar), os cuidados básicos de saúde (física e mental, educação da criança a partir dos três meses de idade, durante o horário de afastamento dos pais, prestando-lhe assistência integral, em qualquer parte do dia, às vezes até no início da noite, cuidando de sua segurança física e emocional, com a inclusão de todos os cuidados relativos a: 1. Segurança; 2. Higiene; 3. Alimentação; 4. Afeto; 5. Educação.” (p. 46-47)
Sendo solidários com todo o sofrimento e dúvidas dos pais em relação a essa decisão, principalmente no que toca a crianças menores de 3 anos de idade, defendemos, no entanto, que não existe uma idade ideal para colocar um bebê numa Creche, ou uma criança na Educação Infantil. Admitimos, como Françoise Dolto (2008), que aos 3 anos de idade seria uma boa altura para colocar a criança na creche, idade em que a criança já se move e comunica com facilidade e já tem uma boa estrutura para viver a separação em relação à sua principal figura de segurança – a mãe. A maioria das crianças demonstra, nesta idade, segurança suficiente para ficar afastada da mãe sem medo de perdê-la.
No entanto, segundo Françoise Dolto, “Quando os pais não podem dar a seus filhos uma vida social de duas ou três horas por dia, num parquinho ou entre mães que combinam reunir os seus filhos, acho que é ruim. E essa falta de vida social entre as crianças é o que a escola maternal remedeia. “ (p. 64)
Do nosso ponto de vista, cada criança é uma criança, cada mãe é uma mãe, cada pai é um pai e cada família tem as suas necessidades e realidade própria, pelo que muitas vezes adotar pela opção de ficar em casa com a mãe só por obrigação, mas faltando com estímulos e uma relação de boa qualidade, como acontece nos casos de mães cansadas, frustradas ou sem disponibilidade psicológica e emocional para acompanhar com prazer, carinho e paciência o seu bebê durante todas as horas do dia, por muito tempo seguido, pode não ser a melhor opção. Nestes casos, bem como em outros que referimos anteriormente neste texto, a creche passa a ser o melhor lugar para uma criança crescer, mesmo estando afastada do seu ambiente caseiro e familiar (Rizzo, 2015).
É neste sentido que pensamos que não existe idade ideal para a entrada na Creche ou na Educação Infantil. O que existe seguramente são idades em que a adaptação pode ser mais “crítica”, como, por exemplo, aos 8 meses, em que a criança vive uma fase do desenvolvimento psicoafetivo que designamos de “angústia do estranho”, fase em que a sua maturação lhe permitirá perceber e dar particular importância à diferença entre o não conhecido (estranhos) e o já conhecido (mãe e familiares).
Também por volta dos 18 meses, ao final do período de desenvolvimento da marcha e da manipulação, a criança vive um conflito entre o entusiasmo e excitação derivados das novas aquisições e a necessidade ainda da proteção da mãe, como que para “reabastecer-se” afetivamente (Bénony, 2002; Brazelton, 2006). Neste período, que pode prolongar-se até os 24 ou 30 meses, a criança precisa muito da presença da mãe para se sentir segura, constituindo-se, segundo Gilda Rizzo (2015), no mais difícil período de adaptação.
No entanto, caso a criança tenha que ingressar na creche em alguma destas fases, o psicólogo ou psicanalista da creche poderá ajudar, na medida em que auxilia os pais a compreenderem melhor o comportamento do filho, segundo a fase de desenvolvimento que está passando. Ajuda também a perceber quais as dificuldades que poderão estar relacionadas com o comportamento dos pais, auxilia a família compreender melhor o processo de adaptação, esclarecendo como deverão proceder, até mesmo traçando o programa de horários e tempo de duração do período de adaptação à Creche.
A realidade nos diz que muitas vezes as situações “ideais” não são possíveis, por motivos diversos, tais como os descritos no início deste texto. Sendo assim, nestes casos, há que pensar em família nos prós e nos contras dessa decisão, há que aceitá-los e pensar que outras soluções terão outras vantagens, mas também outros contras, procurar chegar a um consenso e comunicar a decisão à criança em momento(s) propício(s).
É muito importante que haja uma comunicação aberta com a criança: da decisão e dos porquês dessa decisão. Quer com a criança maior quer com o bebê deve-se sempre falar quando o vai deixar e quando o vai buscar. A criança maior já entenderá tudo o que lhe diz e tem consciência (a partir de doze, catorze ou dezoito meses), o bebê poderá não entender “à letra”, mas percebe o mais importante: a sua intenção, que está sendo considerado e respeitado, que lhe está transmitindo calma e confiança, e essa calma e confiança o fará sentir que os pais os estão deixando com pessoas em quem confiam e que vão cuidar bem dele. “A criança deve ser prevenida. Ela tem de conhecer esse novo ambiente com a presença e a voz do pai, a presença maternante e a voz de sua mãe.” (Dolto, p. 23). No seu regresso é importante transmitir os seus sentimentos e as saudades que sentiu, mas de forma tranquila e sem dramas, de novo para lhe passar o sentimento de que está seguro (a) de que ele esteve bem e sendo bem cuidado, podendo também lhe falar do seu dia, do seu trabalho, passando sentimentos positivos em relação ao mesmo.
Mas é muito importante também, e, aliás, em primeiro lugar, que as dúvidas em relação às vantagens da decisão, para a criança e para a família, as dúvidas em relação à qualidade da Creche, bem como os sentimentos de culpa que eventualmente surjam, estejam bem resolvidos quer para a mãe quer para o pai. Porque só desta forma os pais poderão transmitir à criança os sentimentos de segurança necessários a um processo de separação o mais tranquilo possível e assim a uma boa adaptação à creche. Enquanto não atingirem esse “estado mental” não será talvez a altura certa para fazer a inscrição da criança na Creche.

O “Estado Mental Ideal”

Se a criança suspeitar da certeza de que seus pais estejam fazendo uma coisa boa para ela, se tiver dúvidas, ficará intranquila e assustada, podendo gerar medo e angústia. Portanto, não matricule o seu filho na creche enquanto não estiver certo de que isso seja uma coisa boa para ele. E caso tenham mesmo que o fazer e as dúvidas e sentimentos de culpa persistam será bom procurar ajuda psicológica, para que essas dúvidas possam ser esclarecidas e esses sentimentos de culpa ou de angústia, no momento de deixar o seu filho na Creche, possam ser pensados e trabalhados. Quando estes sentimentos não passam ao longo do período de adaptação à Creche, se prolongando mais do que o esperado, eles poderão estar relacionados a vivências traumáticas pela própria mãe, na sua infância, relacionadas também com a separação em relação às suas próprias figuras de segurança.
Posto isto, insistimos mais uma vez que não existe uma idade ideal ou uma circunstância ideal para colocar a criança na Creche. O que pensamos que existe são fases em que a adaptação poderá ser mais difícil (exigir uma maior atenção e colaboração por parte dos pais e da equipe técnica da creche), e um “estado mental ideal” por parte dos pais.
Este “estado mental” consistiria num sentimento de segurança e tranquilidade em relação à decisão tomada, uma convicção de que a decisão que se está tomando é a mais vantajosa para toda a família, logo também para a criança, de que não será a decisão perfeita, pois ela não existe, mas que avaliados os prós e os contras é a melhor possível, dadas as circunstâncias da família, com a convicção de que vão tomar medidas para viver de forma positiva, construtiva e enriquecedora o tempo que estiverem com o seu filho, ainda que este tempo seja menor.
O recurso ao psicólogo ou psicanalista da creche, com sua prática nas questões da relação pais-filho, poderá ajudar não só a superar os inevitáveis sentimentos de culpa, dúvidas e inseguranças associados à situação de ter que delegar os cuidados do filho pequeno a outrem, mas também a pensar em formas de aproveitar o tempo que se está com a criança de uma forma enriquecedora para a relação pais-filho e, logo, para o desenvolvimento psicoafetivo da criança, com tranquilidade e sem recorrer a compensações, elas próprias denunciadoras dos sentimentos de culpa e em nada favoráveis à educação da criança.
Cabe aqui terminar com um “lugar-comum” que nunca é demais referir: que o mais importante para um desenvolvimento infantil saudável não é a quantidade de tempo que se passa com os pais, mas a qualidade desse tempo. E essa depende, em particular, da disponibilidade mental com que os pais estão na relação com o seu filho, vivendo-a intensamente, livres de culpas e outras preocupações ou frustrações pessoais.
Irene Cardoso
(Psicóloga e Psicanalista)
Graduada em Psicologia Clínica pelo ISPA - Instituto Superior de Psicologia Aplicada – Lisboa (Portugal), Pós-Graduada em Vitimização da Criança e do Adolescente pela FMUL - Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (Portugal), Pós-Graduanda em Psicologia Hospitalar pelo IPV - Instituto Pedagógico de Vitória (ES/Brasil), Membro Efetivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses – C.P. Nº 3636, Psicanalista Clínica pela Associação de Psicanálise Clínica – ES 23.456.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS:
BÉNONY, H. (2002). O Desenvolvimento da Criança e as Suas Psicopatologias. Lisboa: Climepsi Editores
BRAZELTON, T. B. (2006). O Grande Livro da Criança. O Desenvolvimento Emocional e do Comportamento Durante os Primeiros Anos. Barcarena: Editorial Presença.
DOLTO, F. (2008). Quando os Filhos Precisam dos Pais. Respostas a Consultas de Pais com Dificuldades na Educação dos Filhos. São Paulo: Martins Fontes Editora.
MANZANO, Cinthia Soares and PINTO, Fernanda de Sousa e Castro Noya. A entrada na creche: a chegada dos bebês e suas vicissitudes.. In: PSICANALISE, EDUCACAO E TRANSMISSAO, 6., 2006, São Paulo. Proceedings online... Available from: . Acess on: 07 Oct. 2015 MARIOTTO, Rosa Maria Marini. Atender cuidar e prevenir: A creche, a educação e a psicanálise. Estilos clin., São Paulo, v. 8, n. 15, jun. 2003 . Disponível em . acessos em 21 out. 2015.
RIZZO, G. (2015). Creche. Organização, Currículo, Montagem e Funcionamento. 8ª Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.
RAPOPORT, Andrea; PICCININI, Cesar A.. A escolha do cuidado alternativo para o bebê e a criança pequena. Estud. psicol. (Natal), Natal , v. 9, n. 3, p. 497-503, Dec. 2004 . Available from . access on 21 Oct. 2015. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-294X2004000300012.

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